Setembro Amarelo: neutralidade, prevenção ou incentivo?

O Setembro Amarelo, realizado por meio de campanhas de saúde pública, é neutro, previne ou incentiva o suicídio? Embora a pergunta possa parecer provocativa, não pode ser ignorada. Pelo ponto de vista da Psicologia Cognitiva-Comportamental, há muitas razões para questionar os benefícios e malefícios do Setembro Amarelo. Neste artigo de opinião, você conhecerá os possíveis efeitos adversos e colaterais da campanha preventiva nas taxas de suicídio.

História do Setembro Amarelo

O Setembro Amarelo surgiu nos Estados Unidos (1994), após o suicídio do jovem Mike Emme, que possuía um carro amarelo. Seus amigos e familiares distribuíram cartões e fitas da cor amarela em sua memória, iniciando um movimento de conscientização. A campanha foi adotada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e instituída no Brasil pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) (2015). O mês foi escolhido por incluir o 10 de setembro, Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio.

Propaganda, condicionamento e saúde pública

A propaganda e o condicionamento comportamental andam juntos na saúde pública. É comum o uso dessas estratégias para conscientizar e prevenir. O câncer de mama tem como população-alvo as mulheres, especialmente entre 40 e 69 anos. O câncer de próstata foca nos homens a partir dos 50 anos. A vacinação é direcionada principalmente a crianças e idosos. Por fim, o Setembro Amarelo tem como foco os jovens, entre 15 e 29 anos, simbolizado pela história de Mike Emme.

Aprendizagem vicariante e modelação de vítimas

A aprendizagem vicariante é uma forma de condicionamento comportamental baseada na imitação social. O modelo pode ser positivo (quando a pessoa repete o comportamento observado) ou negativo (quando evita reproduzi-lo). No caso do Setembro Amarelo, é importante refletir se os jovens estão buscando ajuda e valorizando a vida (prevenção, +), reproduzindo a conduta suicida (incentivo, –) ou sem efeitos significativos (neutralidade, 0). Com base na modelação de vítimas, jovens com características sociodemográficas semelhantes ao modelo (por exemplo, Mike Emme) podem estar mais vulneráveis ao suicídio.

História do Efeito Werther

O Efeito Werther descreve o fenômeno de contágio social do suicídio por meio da imitação. O termo surgiu com o romance “Os Sofrimentos do Jovem Werther” (1774), de Johann Wolfgang von Goethe. No livro, Werther, jovem sensível e apaixonado, comete suicídio por amor não correspondido. Após a publicação, houve aumento significativo de suicídios na Europa, principalmente entre jovens que se identificavam com o personagem. O fenômeno mostrou que expor modelos vicariantes suicidas pode induzir imitação. O efeito foi estudado formalmente e batizado como Efeito Werther, servindo de base para pesquisas sobre aprendizagem vicariante e modelação de vítimas.

Estudos sobre aprendizagem vicariante e suicídio

Estudos sobre aprendizagem por imitação e suicídio sugerem que a exposição a um modelo vicariante pode aumentar as taxas de suicídio (Efeito Werther). Notícias na televisão, rádio ou jornais sobre suicídio podem estimular comportamentos autodestrutivos. Por outro lado, alguns estudos apontam para o efeito Papageno, quando a exposição leva à busca de alternativas e ajuda profissional (prevenção). Há ainda pesquisas que não identificam alterações significativas, sustentando a hipótese de neutralidade. O Setembro Amarelo, apesar da intenção preventiva, levanta dúvidas se estaria reforçando condutas de risco, prevenindo de fato ou permanecendo neutro, sobretudo entre jovens.

Estudos internacionais sobre aprendizagem vicariante e suicídio

Estudos internacionais confirmam associação entre exposição a modelos suicidas e aumento de comportamentos de risco. Em diferentes países, as taxas de suicídio tendem a subir após a exposição a um modelo vicariante. Esse modelo pode ser um ator, cantor, personagem literário ou série, ou qualquer pessoa com a qual o indivíduo se identifique psicologicamente (modelação de vítimas). Embora nem sempre se possa estabelecer causalidade, os efeitos da exposição podem variar entre prevenção, incentivo ou neutralidade. Abaixo, alguns estudos:

Estudo / FonteLocal ou ContextoFaixa EtáriaResultados principais
Revisão narrativa – Werther effect globalEuropa, América do Norte, ÁsiaGeralContágio comprovado em várias regiões; efeito ocorre em diferentes culturas e mídias (RSD Journal)
Estudo – Coreia do Sul (2017–2018)País Asiático; celebridades10–29 anosAumento de suicídio em até 1,21–1,30× após suicídio de ídolos; efeito mais forte entre mulheres e jovens (BioMed Central, PMC)
Avaliação – 34 países da OCDE (1960–2014)Internacional (países OCDE)GeralStatus da celebridade está ligado ao aumento da taxa de suicídio; mortes inesperadas sem suicídio não têm efeito similar (PubMed)
Alemanha (1968–1980)Notícias em jornaisSem faixa específicaAumento significativo de suicídios na semana posterior à divulgação; confirma imitação via mídia (PubMed)
“13 Reasons Why” (EUA, 2017)Série na Netflix10–17 anosEstimativa de +195 suicídios nos EUA entre abril e dezembro/2017 após estreia da série (Cambridge University Press & Assessment)
Mídia e prevenção – Revisão sistemática (56 estudos)GlobalGeralMaioria mostra relação causal entre cobertura midiática e suicídio (efeito Werther); efeitos variam por idade/gênero (PubMed)
Social media – Revisão sistemáticaRedes sociais (diversos países)GeralWerther e Papageno podem ocorrer em redes sociais; depende do usuário, tipo de conteúdo, interação (PubMed, 研飞ivySCI)
Estudo com adolescentes – ambiente socialHolanda (rede social de jovens)Média de 18 anosTentativa suicida na rede social aumenta risco de suicídio (OR ≈ 1,69) (PubMed)
Túnel histórico – Áustria (1819–1944)Sensacionalismo em jornaisGeral (histórico)Volume de reportagens sobre suicídio prevê aumento nas taxas no ano seguinte; clássico Werther em longo prazo (PubMed)
Efeito contagioso em militares (século XIX)Exército europeuAdultos/soldadosApós suicídio de uma figura militar, houve ~30 suicídios a mais por 100.000 naquele ano; sugere contagio social (PubMed)
Diretrizes de mídia responsávelVários paísesProfissionais de mídiaHá forte evidência de contagio via mídia; diversos países criaram orientações para redução do risco no jornalismo (PubMed)

Estudos nacionais sobre suicídio (inclusive autolesão) entre jovens no Brasil

Estudos nacionais mostram associação entre exposição a modelos suicidas e aumento de comportamentos de risco. Entre jovens, o suicídio e a autolesão tendem a ocorrer em maior frequência quando há identificação com o modelo vicariante. Pessoas da mesma classe social, cor, orientação sexual, crenças ou faixa etária apresentam maior propensão a imitar o comportamento observado. Abaixo, alguns estudos:

Estudo / FonteLocal / ContextoFaixa EtáriaResultados principais
Fiocruz (2024)NacionalJovens 10–24 anosTaxa de suicídios cresceu 6% ao ano entre 2011 e 2022; autolesões aumentaram 29% nas notificações.
Instituto PENSI (2023)NacionalAdolescentes 10–19 anosTaxa de suicídios aumentou 49% entre 2016 e 2021; suicídio é a 4ª causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos.
Agência Brasil (2023)NacionalJovens 10–14 anos9,48% apresentaram comportamento de autolesão em 2018; aumento observado.
UFF (2023)NacionalAdolescentes83% dos casos de autolesão relacionados a conflitos familiares; necessidade de estratégias de prevenção.
SciELO (2023)NacionalMulheres jovensAutolesão não suicida é um problema de saúde pública pouco compreendido; necessidade de maior atenção e suporte.
Revista Científica ITPAC Porto Nacional (2023)NacionalAdolescentesSuicídio é a terceira maior causa de mortes entre adolescentes no Brasil; aumento significativo nos últimos 20 anos.
Estudo em São Luís/MA (2023)São Luís/MAJovensSuicídio e autolesão entre jovens são fenômenos significativos; necessidade de abordagens preventivas eficazes.

Estudo nacional sobre suicídio e Setembro Amarelo

Um estudo brasileiro analisou a tendência das taxas de suicídio no país antes e após a criação do Setembro Amarelo. Publicado na “Journal of Affective Disorders”(2024), a pesquisa utilizou análises estatísticas robustas para comparar as tendências de suicídio entre 2000 e 2019. Os resultados demonstram que, embora a campanha tenha gerado maior conscientização, não houve redução efetiva nas taxas de suicídio.

O estudo não estabelece relação de causalidade direta entre o Setembro Amarelo e o aumento dos suicídios. Entretanto, evidencia que a campanha preventiva, isoladamente, é insuficiente para reverter a curva de crescimento. Os pesquisadores sugerem reavaliar a abordagem do Setembro Amarelo, com maior foco em estratégias efetivas de prevenção e ampliação do acesso a suporte psicológico.

Considerações finais

O Setembro Amarelo, apresentado como campanha de saúde pública, pode estar induzindo jovens ao autoextermínio por meio da aprendizagem vicariante? Dados nacionais e internacionais mostram que a modelação de vítima é um fenômeno cognitivo e comportamental. As autoridades conhecem esse fenômeno, tanto que censuram notícias sobre suicídios e outros temas sensíveis. Por fim, embora não se possa afirmar que o Setembro Amarelo cause aumento das taxas de suicídio (causalidade), devemos questionar se a campanha atua de forma neutra, incentiva ou efetivamente previne o suicídio. Faça Terapia Cognitiva-Comporrtamental Online.

Referências

  • SEBASTIÃO, Mariana. Estudo aponta que taxas de suicídio e autolesões aumentam no Brasil. Portal Fiocruz, 20 fev. 2024.
  • GANDRA, Alana. Fiocruz alerta para aumento da taxa de suicídio entre criança e jovem. Agência Brasil, 24 fev. 2024.
  • LUZ, Solimar. Pesquisa aponta que taxa de suicídio cresce 6% entre os jovens no país. Rádio Agência Nacional, 23 fev. 2024.
  • BASSETTE, Fernanda. Taxas de suicídio e de autolesão de crianças e jovens aumentam no Brasil. UOL VivaBem, 18 mar. 2024.
  • OLIVEIRA SILVA, Lucas Emanuel de et al. Synthetic control method for evaluating mental public health policies: the case of Yellow September campaign in Brazil. Trends Psychiatry Psychother, ahead of print, 2025.
  • CRUZ, Walter Gabriel Neves et al. Analysis of the impact of the Brazilian Suicide Prevention Campaign “Yellow September”: an ecological study. Trends Psychiatry Psychother, v. 46, e20220564, 2024.
  • [Autor(es)]. Associations between a Brazilian suicide awareness campaign and suicide trends from 2000 to 2019: Joinpoint and regression discontinuity analysis. PubMed, 2024.
  • [Anônimo]. Estudo alerta para alta incidência de suicídio na adolescência. Agência Brasil, 29 set. 2023.
  • [Anônimo]. Taxa de suicídio entre crianças e jovens aumenta 3,7% no Brasil. Poder360, 2024.