O messianismo político é um fenômeno social, histórico e cultural muito presente na História do Brasil. Desde a colonização, a população projeta em líderes (políticos, religiosos etc.) a esperança em um salvador da nação. Neste artigo, explicaremos as influências do messianismo político nos pensamentos, emoções e comportamentos dos brasileiros.
O que é messianismo político?
O messianismo político é a tendência de enxergar líderes (políticos, religiosos etc.) como figuras salvadoras. O herói predestinado é esperado passivamente pela população, com fé e esperança, encarnando os ideais de justiça, prosperidade e moralidade. Mas, no final da história, o herói prometido acaba se tornando vilão, decepcionando e enfurecendo a população. Por fim, a jornada do herói prometido se repete ciclicamente ao longo da História do Brasil.
Ciclo do messianismo político no Brasil
- Chamado da esperança (anseio coletivo): A população, em vez de estudar, trabalhar e evoluir, começa a desejar um salvador externo. Surge o “herói prometido”, muitas vezes envolto em uma aura mística, religiosa ou patriótica.
- Projeção do salvador (idealização): O líder é visto como predestinado, incorruptível e capaz de mudar tudo. Ele encarna o arquétipo do messias, e a população deposita nele fé e expectativas milagrosas.
- Glória inicial (euforia coletiva): Quando assume poder ou ganha força (política, religiosa etc.), esse herói parece cumprir a profecia. Há entusiasmo, mobilização popular e uma sensação de renovação.
- Confronto com a realidade (desilusão): A complexidade dos problemas sociais, econômicos e políticos mostra que soluções milagrosas não existem. O herói falha em corresponder às expectativas irreais da população.
- Queda do herói (vilanização): A população que exaltou o messias salvador passa a acusá-lo de traidor, corrupto ou incompetente. O herói se transforma em vilão, a esperança em raiva e a frustração em ressentimento.
- Renovação do ciclo (busca por novo messias): Desiludida e triste, a população esquece, por um tempo, o messias prometido. Entretanto, devido ao condicionamento histórico, social e cultural, logo surge um novo messias, reativando o ciclo.
Sebastianismo e a herança ibérica do messianismo político
O Sebastianismo surgiu em Portugal no século XVI. O rei D. Sebastião desapareceu na Batalha de Alcácer-Quibir. Misteriosamente, criou-se a crença na população de que ele voltaria para restaurar a grandeza do país. Além disso, há, no cristianismo, a ideia de que Jesus voltaria para restabelecer a justiça, a prosperidade e a moralidade do reinado. Essas ideias chegaram ao Brasil com os colonizadores, originando a tradição messiânica de esperar passivamente, com fé e esperança, por um salvador predestinado.
Messianismo político e religiosidade
No século XIX e início do XX, líderes como Antônio Conselheiro (Canudos) e João Maria (Contestado) encarnaram o arquétipo do herói predestinado. Eles eram vistos pela população como enviados divinos que trariam justiça, prosperidade e mudanças. No entanto, suas jornadas como heróis predestinados terminaram em repressão violenta, morte e frustração popular, alimentando o ciclo de esperança e decepção.
Messianismo político e república
A História da República Brasileira, desde o final do século XIX, é repleta de messias políticos. O Estado laico republicano (na verdade, sincretismo maçônico) fortaleceu o senso popular messiânico das instituições. Se a população não tem mais fé na Monarquia Divina, resta rezar pela República e por seus políticos. Abaixo, um breve resumo dos principais messias prometidos:
- Getúlio Vargas – o Pai dos Pobres: Apresentou-se como salvador das massas, trazendo direitos trabalhistas e incorporando os excluídos à política. Foi exaltado como herói nacional, mas terminou em crise, acuado por pressões, e suicidando-se em 1954.
- Juscelino Kubitschek – o Visionário do Progresso: Prometeu “50 anos em 5” e construiu Brasília, encarnando o mito do modernizador otimista. Seu governo simbolizou esperança e crescimento, mas deixou o país endividado e abriu caminho para instabilidade política.
- Jânio Quadros – o Moralizador da Vassoura: Elegeu-se com a promessa de varrer a corrupção, tornando-se o herói ético da população. Porém, sua renúncia repentina, em 1961, destruiu sua imagem e mergulhou o país em turbulência.
- João Goulart (Jango) – o Redentor das Reformas: Representava a esperança das “reformas de base” e da justiça social. Contudo, foi derrubado pelo golpe militar de 1964, encerrando tragicamente a expectativa de mudança.
- Tancredo Neves – o Salvador da Redemocratização: Eleito indiretamente, em 1985, encarnou o herói da transição democrática após a ditadura. Sua morte, antes da posse, deu caráter mítico ao seu destino, como promessa não cumprida.
- Fernando Collor – o Caçador de Marajás: Foi alçado como herói jovem e moralizador, prometendo combater a corrupção e os “marajás”. Pouco depois, caiu em desgraça com escândalos e sofreu impeachment em 1992.
- Fernando Henrique Cardoso (FHC) – o Estabilizador da Moeda: Com o Plano Real, tornou-se o salvador econômico, trazendo estabilidade após décadas de inflação. Entretanto, crises e desgaste político corroeram sua aura messiânica.
- Luiz Inácio Lula da Silva – o Messias dos Pobres: Para milhões, foi o herói operário que ascendeu da miséria à presidência, levando programas sociais e inclusão. Sua imagem, porém, foi abalada por escândalos de corrupção e polarização.
- Dilma Rousseff – a Mãe do Povo: Herdou a imagem de Lula como continuadora do projeto redentor. Contudo, seu governo terminou em crise econômica, protestos e impeachment, repetindo o ciclo de decepção.
- Jair Bolsonaro – o Mito da Moralidade: Projetado como o herói de “Deus, Patria e Família”: o “Mito”. Por ironia, seu sobrenome (“Messias”) certamente funcionou como uma “prova divina”. No final, foi atacado como golpista, traidor e fascista.
Messianismo político e secularização
Com a secularização, o imaginário messiânico não desapareceu, apenas foi transferido. O rei sagrado e o Cristo salvador deram lugar ao Estado laico, à ciência, à ONU e aos Direitos Humanos. Se antes a promessa era o Reino de Deus, agora é a redenção do Mundo Igualitário. Os políticos e partidos ocupam o lugar dos profetas, as ideologias tornam-se doutrinas e as instituições novos altares. No fundo, o ciclo é o mesmo: fé, esperança, decepção e a eterna busca por um salvador predestinado.
Deslocamentos do secularismo
Idade Média (Ordem Sagrada) | Idade Moderna (Ordem Secular) |
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Poder Temporal (Rei ungido) | Poder Executivo (Presidente, Estado) |
Poder Sapiencial (Teologia, Escolástica) | Poder Judiciário / Ciência (Racionalidade jurídica, tecnocracia) |
Poder Pastoral (Igreja, clero) | Poder Legislativo (Parlamentos, partidos, ideologias) |
Igreja Católica (Roma) | ONU, ONGs, Parlamento Mundial das Religiões |
Santos e Mártires | Heróis nacionais, líderes políticos, revolucionários, terroristas |
Dogmas da Fé | Direitos Humanos, Constituições, ideologias |
Reino de Deus (transcendência) | Mundo Igualitário (imanência, progresso, revolução) |
Considerações finais
O messianismo político está intimamente ligado ao processo de secularização. Com a transição da Idade Média para a Idade Moderna, a Monarquia Cristã foi subvertida pela República Laica. A fé nos reis e santos deu lugar à expectativa de líderes políticos, partidos e instituições como a ONU. Por fim, o ciclo de esperança, idealização e desilusão continua, evidenciando que a “salvação” é individual e intransferível.